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Dança espetáculo e falta de compromisso

Um problema da prospecção do dançar como arte e como profissão rígida no “Brasil-a-fora” é a espetacularização do trabalho apresentado no palco, representada na preocupação excessiva com o impacto da coreografia e dos movimentos, não tendo atenção com o domínio e cuidados técnicos destes; em contraponto com a riqueza criativa no meio da dança brasileira, seja contemporânea, neoclássica, clássica, regional-folclorica.

O olhar como entretenimento de quem produz essas manifestações de dança, ao oferecer a dança como produto consumível e efêmero, não altera no público o descompromisso em desenvolver uma opinião afirmativa sobre os aspectos estruturais de se fazer dança, em suma, da profissionalização e aparato trabalhista por trás de tudo isso. O que reflete na dificuldade de vontade popular às reivindicações governamentais ou na formação de cultura social de apoio a quem opte por esse caminho. Estabilidade, compromisso e seriedade.

Uma frase valida é a da professora de balé clássico Guiomar Boaventura – diretora artística da Vórtice Escola de Danças em Uberlândia – , em meio a um de seus cursos em festivais de dança, na qual ela lembra o fato do brasileiro não possuir uma “história” em dança clássica, cabendo aos bailarinos atuais “arregaçar as mangas” e construir tal bagagem com seriedade e conhecimento. Isso serve a pluralidade de dança no país: o compromisso e conhecimento da dança precisa se desmistificar/dividir do “apenas entretenimento ou hobby” nas academias e escolas do interior e formar uma cultura de profissionalização e técnica criando uma robusta instituição brasileira.

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Adverso – Confraria da Dança

Atenção: O texto contém descrições de cenas da peça.

Conheço o grupo de Campinas-SP “Confraria da Dança” em uma deliciosa apresentação da obra Adverso em Ourinhos-SP. O primeiro contato com o trabalho é sublime.

A obra é um solo edificado em texto, corpo, sons e luz, em desenvoltura pela poesia, dança e atuação plausível e grandiosa de Diabe Ichimaru, trilha musical nas mãos de Rafael do Santos (e participações como Carrasqueira e Magrão), e iluminação de Marcelo Rodrigues. Todos unidos neste caminho dirigido por Ichimaru.

Ela não perde qualidade em seus atributos individuais como bailarina, poetisa ou atora ao enredá-los neste misto artístico que é de uso na peça, Diane ganha pelo uso sinérgico deles.

Adverso é tal em sua criação que espanta e atrai pela construção sob heranças que estam desde a loucura em Alice à metamorfose kafkiana, caminhando pelos tempos líquidos de Bauman. Um conjunto que reflete toda uma sociedade cultural atual como ocorre na obra, em sua singularidade.

Uma observação é que mesmo ao supor uma contundência na área de atuação de sua composição, se dança ou teatro, vê-se que a maior sensibilidade é a teatral sobre a liberdade de se criar com dança. Porém apenas detalhes de algo lindo.

Audição

A poesia de Diane abusa da força das palavras rápidas e necessárias, sem desperdício e com altos e baixos emocionais e sensitivos da personalidade/personagem conflituoso explorada em palco. As referências a uma desconstrução e construção, recíproca e por vezes dilemática do caráter do individuo no hoje, nos “tempos modernos”, é fato proclamado. Além de um acompanhamento musical que hora está em reflexão ou agitado também.

Visão

O jogo de luzes é a artimanha usada para a atmosfera intima do solo teatral e de dança, oferecendo um complemento importante para estabilizar o trabalho como um todo.

Corpo

O corpo de Diane Ichimaru projeta-se a frente de tudo percorrendo caminhos loucos por tais serem como a suscetibilidade do personagem. O que há de dança engaja perfeitamente com o objetivo de toda a criação artística. Um dos pontos altos da peça é a caracterização de Ichimaru com a sua inventiva camuflagem física (um material usado como um delineador de espaço e casca de uma personalidade – imaginem as possibilidades.), refletindo, percorrendo, algo que vem de dentro para fora e de fora para dentro, simultaneamente e por permissões e decisões.

Enfim, o solo de Diane Ichimaru e a interferência conjunta de uma sensível equipe criam tal grande e abrangente obra artística que é Adverso. Não há como não se ver em meio as questões da personagem.

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